Juiz federal determina permanência de candidato em concurso da Polícia Federal por cotas raciais

Imagem: Candidato vai participar da última etapa de concurso para Polícia Federal

Fonte: JFAL

O juiz federal Frederico Wildson da Silva Dantas, titular da 3ª Vara da Justiça Federal em Alagoas (JFAL) concedeu antecipação de tutela determinando que a União Federal inclua Maxsuwell de Oliveira Alves na lista de aprovados na primeira etapa do concurso público para Agente de Polícia Federal (Edital n.º 55/2014), nas cotas para candidatos negros, convocando-o assim para a etapa Curso de Formação Profissional do referido certame.

Em ação ordinária ajuizada, Maxsuwell Alves narra haver se submetido ao referido concurso público, concorrendo as 120 vagas, do total de 600 vagas previstas, reservadas a negros (pretos ou pardos). Aprovado em todas as etapas do certame (prova objetiva, discursiva, teste de aptidão física, exame médico, avaliação psicológica, ficha de inscrição pessoal e investigação social), a banca examinadora o teria desclassificado das cotas por supostamente verificar que suas características fenotípicas não se enquadrariam na lei federal das cotas raciais (Lei n.º 12.990/14).

O autor sustenta que esta desclassificação, além de imotivada, resultaria de inovação do edital, ao criar uma avaliação fenotípica não prevista em lei. Além disso, o ato feriria o princípio da impessoalidade, ao classificar arbitrariamente a raça de cada um dos candidatos autodeclarados pretos ou pardos. Ressalta ainda o perigo da demora, que residiria no fato de que o Curso de Formação Profissional estaria prestes a iniciar-se, em 30.7.2015, etapa cuja não participação do candidato ensejaria sua automática exclusão do processo seletivo, fato que ensejou a antecipação da tutela pelo juiz da 3ª Vara Federal.

Decisão

Na decisão liminar, o juiz federal Frederico Dantas fala sobre o conceito jurídico de “raça”, que constitui o cerne da demanda e traduz uma medida de diferenciação de pessoas que não encontra correspondência no mundo natural. “Como já amplamente fixado pela ciência moderna, não existem, em termos biológicos, raças humanas, pela impossibilidade de identificação de padrões genéticos entre os indivíduos humanos que possam autorizar sua divisão em categorias taxonômicas cientificamente aceitas, como subespécies ou variedades, a exemplo do que ocorre com outras classes de seres vivos”, afirma o magistrado.

O juiz ressalta, portanto, “que a conceituação de raça passa ao largo de qualquer suporte fático objetivamente verificável, sendo resultado de uma construção de ordem social, erguida ao longo dos séculos, principalmente durante os processos de colonização e escravização que ocorreram no globo em diversas épocas”. Trata-se de um conceito baseado tão-somente em critérios culturais, em características étnicas e na fisionomia apresentada pelo indivíduo, que levam ao seu enquadramento numa determinada raça ou noutra com base em simples visualização, sem qualquer amparo científico.

Em virtude de sua inviável demonstração científica, qualquer tentativa de determinar se uma pessoa é ou não de uma certa raça implica, para Frederico Dantas, em “discriminação odiosa e arbitrária, por implicar inafastável aplicação de critérios preconceituosos, desprovidos de respaldo biológico e calcados unicamente em critérios relativos, casuístas e pessoais. Por este motivo, é inconcebível que um Estado Democrático de Direito, que inclui entre seus objetivos fundamentais a eliminação dos preconceitos raciais[1], se arvore na condição de árbitro da raça de seus cidadãos”.

No caso das cotas raciais para concursos públicos criadas pela Lei n.º 12.990/14, sem adentrar na discussão acerca das razões políticas que levaram o Estado a adotar providência desta natureza, observa-se que, se a intenção do Estado é separar um quantitativo mínimo de cargos a serem providos por pessoas de determinadas raças, não lhe será legítimo indicar quais pessoas merecem ou não ser enquadradas nessa categoria especial. Isto porque, como visto, não cabe ao Estado, sob pena de implantar-se a institucionalização do preconceito racial, determinar se um candidato é ou não negro (preto ou pardo).

Mas, sendo necessário indicar os candidatos negros para os fins pretendidos pela lei, a única solução viável será a autodeclaração, de forma que seja considerado negro ou pardo aqueles que simplesmente assim se declararem, sendo automaticamente inseridos nas cotas raciais sem qualquer juízo avaliativo estatal sobre a correção ou não dessa afirmação. Somente por este caminho será possível evitar a arbitrária incursão do Estado, em qualquer de suas esferas, na definição das “raças” dos indivíduos, sem discriminações indevidas.

A Lei n.º 12.990/14 e o próprio edital do concurso para Agente da Polícia Federal indicaram como suficiente à concorrência pelas cotas raciais a autodeclaração do candidato. No entanto, o Edital n.º 8/2015, ao especificar que a autodeclaração do candidato seria submetida a “avaliação da banca especialmente designada para constatar a condição de candidato negro”, que analisaria, dentre outros elementos, o fenótipo do candidato na fotografia enviada, consubstanciou inaceitável verificação por parte do Estado da raça a que pertence o indivíduo, podendo, com base em critérios fluidos e arbitrários, sindicar e afastar a autodeclaração realizada pelo próprio candidato.

Dessa forma, numa decisão preliminar, o juiz considerou ilegal e abusivo o ato que excluiu o autor da concorrência no certame inserido nas cotas raciais, porque pautado em uma inconcebível classificação da raça a que pertence o candidato, classificação esta que envereda pela utilização de critérios de separação por aparência e sem qualquer base científica, impossíveis de serem utilizados num Estado Democrático de Direito, construído em bases de igualdade.

Comunicação JFAL

Por: Ana Márcia Costa Barros
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