Juiz federal determina demarcação imediata de 6.927 ha de terras Xucuru Kariri
O juiz federal titular da 8ª Vara Federal em Arapiraca, Antônio José de Carvalho Araújo concedeu liminar a pedido do Ministério Público Federal, em Ação Civil Pública, determinando à União Federal e à FUNAI (Fundação Nacional do Índio) a conclusão imediata da demarcação física da Terra Indígena Xucuru Kariri, nos termos da Portaria do Ministro da Justiça nº 4.033, de 15/12/2010, num prazo de 30 dias. A terra Xucuru Kariri está localizada no Município de Palmeira dos Índios, com 6.927 hectares, com um perímetro de 48 km aproximadamente.
Na liminar, o magistrado determina que à FUNAI e à União concluam as avaliações de benfeitorias existentes em todos os imóveis incidentes na Terra indígena Xucuru Kariri, conforme a referida portaria, num prazo de 60 dias; assim como dá um prazo de seis meses para conceder a posse definitiva da área delimitada em portaria, aos índios Xucurus Kariris, inclusive com a desintrusão dos atuais posseiros da área.
Em caso de eventual descumprimento da obrigação de fazer, foi fixada multa diária de R$ 5.000,00 para o descumprimento dos prazos acima, valor a ser revertido em favor do grupo indígena.
Segundo estudo da antropóloga Siglia Zambrotti Doria, constante nos autos, a presença dos indígenas na região possui registros antigos, datada desde o século XVIII, com referências à construção de uma capela consagrada ao Senhor Bom Jesus da Morte com a ajuda dos indígenas, entre 1773 e 1780. Foi ao redor desta Capela que se estabeleceu o antigo aldeamento indígena, cuja demarcação havia sido autorizada em 1822, concedida por sentença judicial no século XIX. Na época, a área demarcada consistia em 12.320 ha.
“Dessa forma, resta evidente a legitimidade da ocupação desse povo Xucuru Kariri às terras da região de Palmeira dos Índios nos primórdios do surgimento da própria cidade. Destaca-se, porém, que a região também vinha sendo ocupada por não índios, propiciando em 1835 a criação da Vila de Palmeira dos Índios. Na sequência, em 1872, o Presidente da Província de Alagoas extinguiu os aldeamentos indígenas, transformando suas terras em domínio público, tornando-as devolutas. Nesse ato, observa-se como é antiga a ingerência política na região, embora sem o compromisso de pacificar o conflito, visto que até hoje não existe posse tranquila da terra indígena” afirma o juiz federal Antônio Carvalho em sua decisão.
O grupo indígena Xucuru Kariri compõe-se, atualmente, de oito comunidades independentes, totalizando mais de três mil índios, em cerca de 600 famílias. “A União/FUNAI, ignorando os prazos legais e afrontando os princípios constitucionais da razoabilidade, da eficiência e da economicidade, de 1988 a 2003, chegou a criar quatro Grupos Técnicos (GT’s) para demarcar a terra indígena Xucuru Kariri, sem que nenhum relatório sequer fosse publicado”, diz o juiz. Em 2006, foi criado o quinto GT e, finalmente, publica o relatório sobre as terras dois anos depois, reconhecendo, enfim, ao menos, 7.073 hectares como território indígena.
Porém, a União e FUNAI insistiram em não dar o devido andamento ao processo para a entrega da terra, contrariando a Constituição Federal de 1988, não concluindo o processo demarcatório. Segundo Antônio Carvalho, isso causou danos irreparáveis, sejam eles culturais, de insegurança alimentar, de violência intertribal, bem como de insegurança social decorrente do conflito de terra com os não índios da região, que se arrasta há mais de três séculos. Os índios enfrentam dificuldades em manter a forma própria de organização social e, com isso, têm dificuldades de passar para as próximas gerações os seus costumes, suas línguas, suas crenças e tradições.
Violência extrema
Segundo o magistrado federal, as dificuldades práticas de sobrevivência encontradas nos espaços territoriais exíguos e insuficientes para a sua reprodução física e cultural têm levado esse grupo étnico a empreender, ao longo dos últimos 30 anos, ocupações forçadas de fazendas vizinhas aos aldeamentos, além de disputas internas ao grupo, com episódios de violência extrema incluindo homicídios.
“Outro grande prejuízo enfrentado pelos Xucurus Kariris é o histórico conflito com a comunidade não indígena de Palmeira dos Índios, conflito este que tem cada vez mais se acirrado, em decorrência da insegurança jurídica gerada pela mora das demandadas em cumprir dispositivos constitucionais. Prova desse histórico é a gama de ações possessórias em trâmite na 8ª Vara Federal de Arapiraca, todas almejando a evasão dos índios de propriedades rurais localizadas no Município de Palmeira dos Índios/AL”, ressalta Antônio em sua liminar.
O magistrado cita a farta legislação imputando da mesma forma a responsabilidade à União, como também à FUNAI pelo caso, e cita o Estatuto do índio, lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, além da conjuntura indígena no Brasil.
“Os índios já existiam em nossa terra, vivendo em pleno contato com a natureza, alguns em um estado mais atrasado do que outros. Possuíam costumes, crenças religiosas típicas, plantavam e caçavam, com características peculiares. Essa prévia ocupação do solo brasileiro gera um contraste ainda mais gritante quando a confrontamos com a conjuntura atual, na qual os poucos povos indígenas ainda remanescentes buscam apenas garantir a demarcação de suas terras. Estas, que sempre foram suas, pelo menos num passado anterior à vinda do colonizador”, diz o juiz federal em sua fundamentação.
Ele cita Gilberto Freire também e a importância do povo indígena para a defesa do território: “Índios e mamelucos formaram a muralha movediça, viva, que foi se alargando em sentido ocidental as fronteiras coloniais do Brasil, ao mesmo tempo que defenderam, na região açucareira, os estabelecimentos agrários dos ataques de piratas estrangeiros”.
O não deferimento da tutela de urgência, imediatamente, implicaria, segundo o juiz Antônio Carvalho, na possibilidade de riscos à vida, segurança alimentar, condições básicas de sobrevivência, aos eventuais necessitados das prestações básicas do Poder Público. Além disso, “havendo demora no transcorrer da conclusão do processo, sem a antecipação da tutela, poderia se penalizar por um tempo injusto a parte hipossuficiente da relação processual. Resta esclarecer que este perigo é concreto, atual e grave!”
Por fim, conclui que “embora a existência e o trabalho do Poder Judiciário seja fundamentais à pacificação dos conflitos sociais, é natural que não haja uniformidade e nem aceitação por parte de muitos cidadãos que compõem a nossa plural sociedade. Para tanto, seria necessário todo um conjunto de políticas públicas, especificando, no caso em comento, a execução de um plano de Reforma Agrária nas áreas vizinhas à Região de Palmeira dos Índios, com vistas a garantir que os trabalhadores que se encontram na área indígena não fiquem sem propriedade alguma.
“Hoje somos vítimas de um processo de Reforma Agrária que nunca chegou ao fim em nosso país. Diretamente, são alvos os índios, negros quilombolas e trabalhadores rurais sem terra. Por outro lado, toda sociedade padece na angústia de vermos problemas agrários sem definição. Assim, sem mais delongas, recomendo que o plano de Reforma Agrária possa priorizar os pequenos trabalhadores que atualmente ocupam a área indígena”, conclui o juiz Antônio José de Carvalho Araújo.
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