Projeto Vozes: marisqueiras e pescadoras expõem suas experiências na primeira roda de conversas promovida pela JFAL
As vozes de marisqueiras e pescadoras de Alagoas, muitas vezes postas como invisibilizadas, tiveram oportunidade para serem ouvidas na tarde desta quarta-feira, 6, no auditório da Justiça Federal em Alagoas (JFAL). Os anseios, as dificuldades, os preconceitos e os obstáculos para conseguir a concessão de benefícios sociais foram relatados no lançamento do Projeto Vozes: narrativas sociais e diálogos com o sistema de Justiça. O evento deverá ocorrer mensalmente, até o final do ano. A cada mês, um segmento deverá apresentar seus relatos, a fim de conseguirem mais visibilidade e compreensão quando pleitearem seus direitos perante o sistema de Justiça.
Nesta quarta-feira, marisqueiras da Cooperativa de Marisqueiras Mulheres Guerreiras (Coopmaris) e pescadoras da Rede de Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais representaram a categoria para falar perante juízes, procuradores, servidores, advogados, defensores públicos, estudantes de Direito, entre outros envolvidos diretamente com o Judiciário.
O coordenador do Projeto Vozes, juiz federal Antônio José de Araújo, destacou a importância da iniciativa para compreensão de diferentes realidades, com vistas a um Judiciário mais justo e ressaltou o valor do entendimento das distintas naturezas. “Reconhece-se que os juízes são também profundamente permeados por ideologias, sendo um grande mito idealizar uma capacidade de julgar despida dos valores ideologizados. Entretanto pensem comigo, não seria o sistema de Justiça mais democrático se os excluídos fossem ouvidos, ou se tivessem oportunidade de esclarecer como são sofridas suas realidades? Não seria, portanto, essencial ouvir as vozes dos que sofrem, dos que sentem as injustiças sociais? Não sentimos essas dores, não passamos por ela; mas podemos compreendê-la”, questionou o magistrado, perante a plateia no auditório da JFAL.
A juíza federal da 8ª Vara, Camila Pullin, associou a presença das mulheres na cadeia produtiva pesqueira ao 8 de março, Dia da Mulher, e a reivindicação de seus direitos. “Eu quero lembrar da simbologia desse evento, lembrar que estamos na semana da mulher e é muito simbólico que abramos esse diálogo tão bonito conversando com mulheres trabalhadoras que vivem em condições precárias de trabalho. Esse dia não é um dia para lembrar de mensagens, não é isso que a gente quer, queremos garantia dos nossos direitos, da forma correta”, lembrou.
A presidente da Federação dos Pescadores e Aquicultores do Estado de Alagoas (Fepeal), Maria José da Silva Santos, exemplificou os preconceitos que rondam a comunidade. “Ninguém solta a mão de ninguém e é isso o que a gente quer, precisamos que todos vocês [público] estejam junto conosco. As mulheres, marisqueiras, catadores, seja lá como somos chamadas somos de fato pescadoras. Os preconceitos são muito complicados pois desvalorizam nossa classe”, disse ela que não se conteve ao pedir o apoio do Judiciário para redefinir os conceitos pré-estabelecidos.
A representante da Rede de Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais, Ana Paula de Oliveira destacou a busca de apoio para compreensão das dores de sua comunidade. “O mesmo dinheiro que é proveniente da marisqueira, que está pescando, é o mesmo que todos compram. É apenas a forma, ou o meio de produção. Tem muitas mães que têm seus filhos e quando estão bem apresentadas, eles discriminam e dizem que não são da categoria”, desabafou ela, em referência aos peritos, incumbidos de fazer a primeira análise quando o público solicita benefícios sociais. “Muitas das vezes as pessoas julgam pelo olhar. Devemos ter o cuidado e a visão de que a mulher que exerce essa atividade, não necessariamente, irá andar suja ou ter mau cheiro”, salientou.
Em um momento de compreensão dos magistrados e dos presentes, e, para tirar dúvidas, a presidente da Cooperativa das Marisqueiras (Coopmaris), Vanessa dos Santos Silva, explicou os projetos por trás da união das marisqueiras. “Estamos com muitos projetos, esses que contribuem para que todos nós ganhemos visibilidade. A primeira de todas é a exportação para restaurantes com certificado de segurança garantido pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o que passa confiança em nosso trabalho. Também temos uma base de operação modernizada que, em breve, estará pronta para o uso. Precisamos de apoio para que consigamos esforços ainda maiores para tornar nossa classe mais visível”, destacou.
Quem foi ouvinte e compreende na pele as questões apresentadas pelas colegas foi a marisqueira Joseane de Almeida Leite. Ela elogiou o projeto Vozes, e, com 37 anos de carreira, ela diz que a realidade na lagoa não tem sido agradável financeiramente e que com a promoção do evento mais pessoas podem entender sua realidade. “A lagoa tem sofrido problemas de poluição. Vem sacola, plástico e tudo quanto é lixo, e pouco do nosso sustento”, expressou ela, que fez questão de abordar a alegria que sentiu ao ver sua classe representada.
Com sede de conhecimento, o recém-chegado na vida acadêmica, o estudante de Direito Luís Miguel Pinheiro Mendes faz 1º período no Centro de Estudos Superiores de Maceió (Cesmac). Ele diz que a oportunidade proporciona uma bagagem maior, ao passo em que o forma um melhor profissional.“Considero o Projeto Vozes um evento muito bonito, principalmente por tratar de uma realidade tão frágil quanto a de pessoas em situação de vulnerabilidade. Ter a possibilidade de assistir e ouvir essas pessoas é uma experiência rica que, com toda a certeza, vai me fazer ter uma postura profissional ainda melhor no fim do meu curso”, relatou.
Compuseram a mesa de honra a procuradora-chefe da Procuradoria da República em Alagoas, Roberta Lima Barbosa Bomfim; o procurador-chefe da Procuradoria Federal em Alagoas (PRF/AL), Agélio Novaes de Miranda; o defensor público-chefe da Defensoria Pública da União em Alagoas (DPU/AL), João Paulo Cachate Medeiros de Barros; a vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Alagoas (OAB/AL), Natália França Von Sohsten; o presidente do Sindicato dos Advogados e Advogadas de Alagoas (Sindav), João Junior Onuki Alves.
Fizeram ainda, parte da composição a professora e pesquisadora da Faculdade de Direito da UFAL (FDA), Elaine Cristina Pimentel; o coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito do Cesmac, professor Marcos Joel; o representante do Centro Acadêmico de Direito Guedes de Miranda (Ufal), estudante Matheus Vasconcelos Maia e a representante do Centro Acadêmico de Direito Professor Lúcio Izidro (Uneall), a estudante Olga Guevara Vieira de Sousa Duarte Machado.
Projeto Vozes
O projeto tem como objetivo a promoção de rodas de conversa, tendo como objetivo a compreensão da realidade social pelos agentes do sistema de Justiça, incentivando juízes, servidores, advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público, estudantes e pesquisadores a desenvolverem uma reflexão mais próxima e empática das realidades vividas por pessoas em situação de vulnerabilidade social.
A cada mês, uma nova roda de conversa é programada, a próxima edição, marcada para acontecer no próximo dia 4 de abril, traz a realidade das pessoas em situação de rua. Podem participar das rodas de conversa, servidores e servidoras, advogados e advogadas, defensores e defensoras públicas, estudantes, estagiários e estagiárias, magistrados e magistradas, conciliadores e conciliadoras.