Terceira edição do Projeto Vozes recebe pessoas com Síndrome de Down e seus familiares em roda de diálogo
A promoção de mudanças sociais e a melhoria da qualidade de vida de pessoas com Síndrome de Down é o que o “Projeto Vozes: narrativas sociais e diálogos com o Sistema de Justiça” deverá proporcionar em sua terceira roda de diálogos. O evento, promovido pela Justiça Federal em Alagoas (JFAL) e realizado no auditório da instituição nesta quinta-feira, 16, serviu para expor anseios, perspectivas e aflições de pessoas com Síndrome de Down e seus familiares. Na oportunidade, o secretário municipal de Saúde de Maceió, Luiz Romero Cavalcante Farias, anunciou que serão tomadas medidas imediatas para garantir a prioridade no atendimento desse público junto à saúde pública da capital.
O projeto, além de ouvir mães de pessoas com a Síndrome, também deu voz ao que esse público tinha a dizer. A busca pelos direitos é essencial, mas também há a necessidade de educar toda uma sociedade carregada de preconceitos e idealizações incorretas, como afirmou o juiz federal Antônio José de Carvalho Araújo, coordenador do Vozes. “É preciso rever questões que envolvem estereótipos, preconceitos e capacitismo. O espaço que nós temos hoje é democratizado a partir de um projeto, cuja proposta é apresentar a realidade social na perspectiva dos protagonistas presentes aqui, que representam a comunidade down”, destacou o magistrado ao se referir às pessoas com Síndrome de Down e seus familiares presentes no evento.
O problema vivenciado em escolas também é algo que deve ser discutido. Professores despreparados, gestão capacitista e socialização restrita são algumas das situações enfrentadas por estudantes com Down, como enfatizou o juiz federal e um dos condutores da roda de conversas, Felini Wanderley. “No caso das crianças, especialmente nas escolas, é necessária uma verdadeira inclusão. A instituição tem que se adaptar ao aluno. Integrar é convidar para a festa, é convidar para dançar. A integração acontece, mas em passos muito lentos. É preciso melhorar, e muito”, contou. A maior parte dos relatos dos familiares de crianças atípicas são sobre descaso em relação às escolas, assim como ignorância de muitos profissionais ao lidar com crianças com a síndrome.
Prioridade
A realização do evento chamou a atenção do secretário de Saúde de Maceió. Luiz Romero Farias considerou o encontro profundamente esclarecedor. “Essa iniciativa está fazendo com que a Síndrome de Down gere vozes em relação à Secretaria de Saúde. A partir dos relatos ouvidos, a primeira medida que posso tomar de forma imediata, é transformar esses casos em prioridade absoluta”, anunciou o secretário.
Quem também anunciou medidas para melhorar o atendimento a este segmento social foi o diretor do Departamento Municipal de Transporte e Trânsito (DMTT), Glauco Oliveira. “O transporte público é um carregador de direitos sociais. Sem ele, muitas pessoas não conseguem garantir outros direitos. É muito doloroso ouvir o relato de uma mãe ou pai que não foi bem atendido e vamos buscar levar maior capacitação aos nossos motoristas”, pactuou ele. “As pessoas com Síndrome de Down enfrentam muitas barreiras e o transporte público não pode ser uma delas”, complementou o diretor.
Muitas mães enfrentam batalhas diárias para conseguir levar o acesso a diferentes tipos de atendimentos aos seus filhos, seja o olhar preconceituoso das pessoas na rua ou a falta de acessibilidade nos transportes públicos, como comentou Deyse Ivette, uma das mães palestrantes. “É preciso saber respeitar o outro. Já passei por situações em que o motorista do ônibus não quis abrir a porta do meio para a minha filha descer. Foi difícil levá-la até o final do veículo e eu passei por um constrangimento”, explicou. A partir da declaração de Deyse, o DMTT tomou ciência da situação vivenciada por inúmeras mães, e deverá adotar medidas que solucionem o caso.
A inclusão e a educação
A dificuldade educacional de crianças com Síndrome de Down não é tão significativa no momento de ingresso, mas sim no decorrer da vida escolar. A professora da Ufal e especialista em psicopedagogia e educação especial, Elisângela Leal de Oliveira, contou que o maior obstáculo é permanecer na sala de aula, já que o espaço, muitas vezes, não está preparado como deveria para receber crianças especiais. “O local da educação é de pertencimento de todos, mas as barreiras ainda são enormes. A briga por acesso está menor, mas hoje a nossa briga tem sido basicamente pela permanência e pela aprendizagem, e principalmente por uma escola anti-capacitista”, explicou.
O capacitismo sofrido por pessoas com Síndrome de Down é algo que persegue a vida de muitos nessa condição. O preconceito leva certa parte da sociedade a acreditar que as pessoas com Down não podem estudar, trabalhar ou se relacionar, o que está completamente equivocado. A prova de que é possível levar uma vida normal com a síndrome é refletida em Flávia Silva Bandeira, pessoa com Down e uma das palestrantes do evento.“Tenho 40 anos, sou pedagoga e atualmente estou lotada no Senai. Me formei na escola e posteriormente no ensino superior, estou feliz no mercado de trabalho e me sinto em casa no meu emprego. Eu sinto uma vitória dentro de mim, orgulho de mim mesma”, falou entusiasmada.
As mães que participaram da roda de diálogos trouxeram questionamentos válidos que competem a diferentes âmbitos da gestão pública, como Nilce Silva Bandeira, mãe de Flávia. “Ainda precisamos de uma inclusão efetiva. Incluir não é apenas colocar no ambiente, mas sim dar condições e entender a problemática da pessoa com deficiência. Não é o deficiente que deve se adequar, mas sim os ambientes. É necessário um olhar de sensibilidade, sentir a necessidade do outro”, destacou.
O evento contou com a representação do Instituto Amor 21, entidade visitada pelos magistrados durante a preparação da roda de diálogos. O local atende diversas famílias e pessoas com Síndrome de Down. Neila Sabino é co-fundadora da instituição e esteve no diálogo para falar também como mãe atípica de seu filho Arthur. “Só o título do Vozes já demonstra uma oportunidade rara, de dar voz a quem não é ouvido. E muitas vezes esses que não são ouvidos também não são vistos. São tratados como invisíveis. Como mãe atípica, falo da minha invisibilidade também. É preciso promover todos os recursos necessários, que vão da acessibilidade à capacitação de profissionais”, considerou a presidente do Amor 21.
Participantes
A mesa de honra do evento foi formada pelos juízes federais Aloysio Cavalcante Lima, diretor do Foro da JFAL; Antônio José Carvalho de Araújo, coordenador do projeto; e Felini de Oliveira Wanderley. Também estiveram presentes Roberta Bonfim, procuradora-chefe da Procuradoria da República em Alagoas (MPF); Diego Bruno Martins Alves, defensor público regional de Direitos Humanos em Alagoas (DPU/AL); Ana Clara Ardison, Deyse Ivette Ribeiro, Flávia Silva Bandeira e Nilce Silva Bandeira, palestrantes, assim como Neila Sabino, co-fundadora do Instituto Amor 21; Gabriela de Rezende, advogada; João Onuki, presidente do Sindicato dos Advogados e Advogadas do Estado de Alagoas (Sindav/AL); a professora da UFAL e especialista em educação especial, Elisângela Leal; além do secretário municipal de Saúde de Maceió, Luiz Romero e o diretor do DMTT, Glauco Oliveira.
O “Projeto Vozes: narrativas sociais e diálogos com o Sistema de Justiça” foi desenvolvido pelo juiz federal Antônio José de Carvalho Araújo e até o momento já realizou três rodas de diálogos com marisqueiras; população em situação de rua; e pessoas com Síndrome de Down, respectivamente. A ação surgiu com o objetivo de promover a compreensão da realidade social pelos agentes do sistema de Justiça, incentivando juízes, servidores, advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público, estudantes e pesquisadores a se posicionarem de forma mais próxima das realidades vividas por segmentos em situação de vulnerabilidade social.