Discriminação e dificuldades de comunicação são alguns dos obstáculos relatadas por refugiados e migrantes durante o Projeto Vozes

Secom JFAL

Auditório ficou lotado por um público atento ao que se discutia na roda de diálogos
Crédito da foto: Secom JFAL

As dificuldades de migrantes e refugiados, desde as interações mais simples, como a comunicação, até as mais difíceis, como lidar com uma cultura distinta, nortearam a quarta etapa do Projeto “Vozes: Narrativas Sociais e Diálogos com o Sistema de Justiça”. O evento, realizado nesta quinta-feira, 22, no auditório da Justiça Federal em Alagoas (JFAL), recebeu migrantes e refugiados da Venezuela, Argélia e Guiné-Bissau para falar sobre as dificuldades enfrentadas nesse processo e faz parte da programação da Semana Regional de Conciliação e Cidadania. Relatos como discriminação e falta de inclusão foram alguns dos pontos apresentados durante a roda de diálogos.

O objetivo do projeto é ampliar o entendimento dos membros do sistema de Justiça com relação a temas de interesse de segmentos em vulnerabilidade social. O evento desta quinta contou com a presença de 12 juízes federais, interessados em entender melhor os relatos dos indígenas venezuelanos da etnia Warao, que participaram em grande número da iniciativa da JFAL.

O juiz federal Antônio José de Carvalho Araújo, coordenador do Projeto Vozes, destacou a importância vital da iniciativa como um instrumento para aprofundar a compreensão das diversas realidades sociais que atravessam a vida dos migrantes e refugiados. “O que nos motiva profundamente é a oportunidade de trabalhar diretamente com pessoas em situação de vulnerabilidade. Isso reflete um compromisso que vai além das palavras; é uma busca contínua por melhorar nossa capacidade de compreender e atuar sobre realidades que, embora conheçamos em teoria, não vivenciamos na prática. Através do Vozes, queremos não apenas ouvir, mas aprender e transformar nossa prática jurídica em algo que realmente faça a diferença na vida dessas pessoas”, afirmou o magistrado.

Sujeitos de direitos

Quem também conduziu essa etapa do projeto foi o juiz federal Francisco Guerrera Neto. Ele ressaltou a importância da discussão voltada para a temática da imigração. “A história da condição humana passa pelas migrações e deslocamentos, inclusive de povos nativos”, recordou. “Antes da Constituição Federal de 1988, o indígena era visto como objeto de direito, mas após a promulgação da Carta, são reconhecidos como sujeitos de direito, e de fato, são capazes, não precisam de tutela, possuem voz, é importante reconhecer, e esse evento é a essência disso”, acrescentou o magistrado, fazendo relação com os indígenas Warao.

O diretor do Foro, juiz federal Aloysio Cavalcanti, considerou a importância da hospitalidade com os migrantes como princípio necessário para a vida harmônica em sociedade. “Entendemos que existem povos irmãos que vêm de todos os lugares do mundo em busca de melhor qualidade de vida, e em infelizes vezes, perseguidos. A hospitalidade é um preceito sagrado que existe desde a antiguidade, e aqui no Brasil, com todas as dificuldades, ainda buscamos oferecer todo o acolhimento possível. O estrangeiro deve ser bem cuidado e receber todo o zelo da sociedade”, reforçou.

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Os Warao lembram que têm sua cultura própria e precisam de apoio de políticas públicas
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Juan Perez, líder indígena Warao, falou das dificuldades que provocaram a vinda dele e de outros de seus parentes para o Brasil. “A crise afetou muito a nós na Venezuela. Perdemos tudo e abandonamos o nosso país para vir para cá. Chegamos até a coletar dinheiro nas ruas e nos semáforos. Ainda temos dificuldade com o português e precisamos de um espaço nosso para viver em comunidade, para que nossas crianças possam brincar livres e que possamos fazer nossos rituais”, declarou.

Discriminação

Aníbal Perez, também indígena Warao, complementou o relato do parente. “Nós, povos indígenas, temos uma cultura própria, nos trabalhos que fazemos, buscamos soluções coletivas. Nossa cultura é comunitária. Infelizmente, recebemos muita discriminação como indígenas e imigrantes. Viemos para o Brasil em busca de condições melhores, por isso estamos lutando e cobrando ao poder público. Queremos propostas reais e duradouras, queremos permanecer com nossas tradições, nossos costumes e queremos morar na nossa própria aldeia, ter educação diferenciada e autonomia. Queremos morar dignamente como seres humanos, por isso estamos aqui, usando nossa voz para pedir apoio”, completou.

O professor argelino Abdeladhim Tahimi explica que o processo de migração também pode ser enriquecedor tanto para o país que acolhe, quanto para o migrante. No entanto, muitas vezes há um desfavorecimento do migrante, o que torna o procedimento difícil. Suleimane Baldé, natural de Guiné-Bissau, é aluno de Medicina na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Mas até chegar a esse patamar, não foi fácil. “Sou filho de uma feirante e um agricultor. Vim para o Brasil para fazer intercâmbio e estudar. Cheguei em 2019 e foi um choque. É outro povo, outra cultura e outra forma de viver. Sou o único estangeiro e africano na turma, não foi fácil a adaptação no curso, tive que recorrer muita vezes ao suporte da própria universidade, para conseguir me adaptar. Existe muito preconceito”, pontuou.

Abdeladhim Tahimi lembrou que o migrante nem sempre escolhe onde viver. “Por falta de oportunidades e pelo desfavorecimento natural que enfrenta na sociedade, o migrante acaba sofrendo consequências nas escolhas de onde trabalhar e morar. Não temos o privilégio de escolher e essa condição afeta diretamente nossos familiares que também precisam fazer sacrifícios. Enfrentamos uma situação de vulnerabilidade social e incerteza. É uma responsabilidade pública e humana abrir as portas para os refugiados. Precisamos de políticas públicas que abordem a integração do migrante com mais sensibilidade e eficácia”, acrescentou ele.

O defensor público Diego Alves enfatizou a importância da regularização do processo de imigração para a plena garantia de direitos e prevenção de crimes contra este público. “A Defensoria Pública da União tem a missão constitucional de promover os direitos humanos e prestar a assistência jurídica e integral àquelas pessoas que são hipossuficientes. Todas as pessoas são merecedoras de direitos, e por isso importância da emissão dos documentos desses migrantes, para evitar tráfico humano e trabalho escravo, por exemplo”, destacou.

Letramento

O procurador federal Bruno Rijo Lamenha Lins destacou a importância do Projeto Vozes para os integrantes do Sistema de Justiça. “É um letramento na gramática e na prática dos direitos humanos. Existe um desconhecimento muito grande e ainda temos um longo caminho a seguir, porque essa minorias políticas também devem tomar estes espaços de poder, e muitas vezes nós nos colocamos em posições de falar que sabemos o que é melhor pra eles, e nós não sabemos”, considerou ele.

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Magistrados, representantes do Sistema de Justiça e convidados compuseram a roda de diálogos no auditório da JFAL
Crédito da foto: Secom JFAL

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem uma relatoria específica que trata de pessoas em situação de mobilidade humana, conforme informou a advogada Livia Lemos, que atua no âmbito internacional na questão migratória. “Na falta do estado estamos aqui para atuar oferecendo alternativas. Monitoramos a situação dos direitos humanos em 35 países. Os estados são livres obviamente para adotar as políticas migratórias, suas regras de visto de entrada e saída de um país. Mas eles não podem deixar de cumprir as regras de direitos humanos que são correlatas, em relação aos acessos aos direitos. É importante frisar que imigrante pode ser irregular, mas nenhuum imigrante é ilegal”, explicou.

O superintendente de Políticas para os Direitos Humanos da Secretaria Estadual da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), Mirabel Alves, destacou que a Justiça tem feito a escuta ativa e o resultado é a cidadania para todas as pessoas que dela necessitam.

A professora Alessandra Marchioni, doutora em Direito na área de Relações Internacionais e professora de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da Ufal, reforçou o enriquecimento do contato direto com os segmentos sociais e o quanto isso é necessário. “Nas nossas aulas de Direito, nos preocupamos em formar alunos e explicar a eles não só o Direito mas também a realidade. Mas como explicar a realidade estando tão distante dela?”, instigou. “Eu acredito que é papel fundamental da Universidade como um todo essa intermediação. A iniciativa não deve ficar apenas limitada a um momento pontual”, considerou.

Além dos protagonistas do evento, ou seja, os migrantes e refugiados, também participaram os juízes federais Rosmar Alencar; Gustavo Mendonça; Cristiano Nascimento; Raimundo Campos Júnior; Hugo Sinval; Felini Wanderley; Camila Pullin; Flávia Hora; Aline Carnaúba, além do diretor do Foro, Aloysio Cavalcanti Lima, além dos coordenadores, Antônio José de Carvalho e Francisco Guerrera Neto.

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